quarta-feira, 10 de outubro de 2007
O senado de Nelson Rodrigues
1- Ao voltar, certo dia, do Jockey Club, Calígula chama os seus conselheiros: “Descobri que o Senado Romano não chega aos pés do Velho Senado de Machado de Assis". Os presentes, num coro afiadíssimo, disseram: “Não chega aos pés do Velho Senado de Machado de Assis"? Continua Calígula: "E por que? Por que"? Calígula dá um murro na mesa: “Vocês não sabem”?2- Nenhum dos presentes sabia, nem desconfiava. Calígula os descompôs de alto a baixo: “Imbecis! Imbecis"! E explicou, enojado de ignorância tamanha: “O Senado Romano não anda, porque não tem um cavalo”! Os conselheiros começaram a berrar: “Falta um cavalo! Falta um cavalo"! E, então, depois de beber uma taça de vinho raro e translúcido, Calígula resolve abrir um concurso de cavalos para o Senado.3- E assim se fez. No dia seguinte, inscreveram-se uns trinta mil cavalos, todos puro-sangue. O próprio Calígula pôs-se a interrogar os candidatos. Diga-se de passagem que os concorrentes só tinham que responder a uma pergunta, que era a seguinte: “O que é a Política”? Os cavalos não sabiam responder. Como no “Céu é o Limite”, tinham um prazo de trinta segundos. Eis a dura verdade: ninguém, ali, sabia o que era Política. E os reprovados escouceavam de impotência e frustração.4- Finalmente, restou um único cavalo. Ofegante, Calígula repete a pergunta: “O que é a Política”? O candidato respondeu na hora: “A Política é a arte de não fazer restrição”. Ou, se bem o interpreto, a arte de não fazer nada, nem restrição. Calígula pulou. Com uma inflexão, tomada de empréstimo ao J. Silvestre, bradou: “Absolutamente certo”! A imprensa nacional e estrangeira avançou para o vencedor: “Mas o que V. Exa. quis dizer”?5- Dirão vocês que a profundeza do nobre animal era dessas que uma formiguinha atravesse, a pé, com água pelas canelas. Mas o que o vulgo não sabe é o seguinte: vários colegas meus afogam-se exatamente com água pelas canelas. E, então, com delicada ironia, disse o cavalo: “Não fazer nada é não fazer nada”. O correspondente do Life insistiu: “Mas um senado deve satisfações ao seu eleitorado”. O cavalo pensou: “Que animais”! Relinchou: “Vejam o meu caso: eu não vou fazer nada”. Foi aí que o enviado especial do Paris-Match mandou por escrito a pergunta: "V. Exa. não pretende nem tapar cano furado”? Resposta: “Nem cano furado”.6- O belíssimo animal, vencedor de vários Sweepstakes, tomou posse no dia seguinte. O Senado o aplaudiu de pé, como se aplaude um tenor italiano. Das galerias lotadas, choviam papel picado, listas telefônicas. Resta dizer que o novel Senador passou a chamar-se, por sugestão de Haroldo Barbosa, Incitatus. Foi considerado a maior figura do Senado Romano, em todos os tempos, porque jamais tapou um cano furado, jamais consertou uma bica entupida. Certa vez, faltou água no chafariz da Praça da Bandeira. E quanto pediram a Incitatus, a respeito de tal seca, um parecer, retrucou: “Ah, falta água. Azar”! Resposta, como se vê, que Maria Antonieta assinaria."(...)"
[ Trecho do artigo "Um brasileiro chamado Andreazza", em: As confissões de Nelson Rodrigues, 22/05/1970].
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