sábado, 22 de dezembro de 2007

É NATAL

Virgem Maria, Jesus e São José, do Aleijadinho


Eu sempre gostei da festa do Natal, e do que realmente ela representa como festa cristã, o que eu não gosto é da hipocrisia que se criou em torno do Natal, amigo secreto na empresa, cota para confraternização e abraçar a quem não lhe diz nada nos outros dias do ano e, pior ainda, àquela obrigação de ser feliz porque é... Natal, do mesmo modo que somos cobrado a sair pulando por aí porque é carnaval.
A lembrança mais remota que eu tenho do Natal, devia ter cinco ou seis anos, foi quando duvidei da existência de Papai Noel, naquele Natal, as roupas das bonecas, presente de Papai Noel, das minhas irmãs, foram feitas pela minha tia!
Não acho, como muita gente, que o Natal seja uma festa triste, ou apenas mais um dia para encher a cara, acho alegremente melancólica, e quanto ao Papai Noel, ele sempre vai existir, tal qual o Menino Jesus que cada um temos dentro de nós.
Eu sempre me pego lendo Fernando Pessoa, e gosto muito desse trecho do "Guardador de Rebanhos", que tem muito a ver com o Natal
"Num meio - dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornando outa vez menino.,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para deitar fora
E a rir-se de modo a ouvir-se longe.
Tinha fujido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da segunda trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores, árvores e pedras.
No céu tinha sempre que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outa vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados pom um prego com ,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia no mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia em que Deus estava a dormir
E o Espirito Santo andava a voar,
Ele foi a caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fujido.
Com o segundo criuo-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregedo na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança de riso bonito e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foje a chorar ea gritar com dos cães.
E, porque sabem que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em rancho pelas estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
"(...) Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
"(...) Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta
E como se cada Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

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